quarta-feira, 22 de julho de 2009

Uma História do Pentecostalismo Clássico




Arão I. Alves de Araujo*


O movimento pentecostal norte-americano, através de missionários, expandiu-se pelo mundo chegando ao Brasil através de dois missionários suecos, convertidos ao pentecostalismo nos Estados Unidos, que chegaram ao país em 1910. Os dois missionários, Daniel Berg e Gunnar Vingren, haviam pertencido a Igreja Batista e, ao chegarem à cidade de Belém foram calorosamente acolhidos pela igreja Batista local. As novas experiências pentecostais perceptíveis na oração pentecostal, mais vibrante e menos formal, impressionaram vários dos batistas locais que passaram a buscar a manifestação defendida pelos missionários suecos. Foi numa dessas experiências de oração que um fiel batista começou a falar em línguas desconhecidas, principal sinal do que os pentecostais chamam de batismo no Espírito Santo. A experiência compartilhada trouxe legitimidade às pregações de Berg e Vingren, criando uma cisão na unidade da igreja batista em Belém, pois a simpatia inicial transformara-se em cumplicidade com a nova doutrina. Desse grupo dissidente surgiria a primeira igreja da Assembléia de Deus no Brasil: a igreja de Belém, conhecida até hoje como a Igreja mãe.[1] Esse movimento não chegou ao Brasil de forma isolada, pois no Sul do Brasil surgiu outro movimento pentecostal que daria origem a Congregação Cristã do Brasil, entretanto o movimento no Sul nasce, não apenas em ambiente cultural especifico e diverso em relação ao pentecostalismo do Norte, mas marcado também pelas origens distintas dos missionários fundadores.
O chamado pentecostalismo clássico surgiu no Brasil no inicio do século XX através de missionários estrangeiros que chegaram ao país e deram inicio a divulgação da nova doutrina pentecostal. No estudo das origens do protestantismo no Brasil o advento do pentecostalismo estaria inserido no que Antonio Gouvêa denomina como protestantismo missionário[2].
Dois movimentos pentecostais deram origem a duas igrejas que seriam as bases para a expansão do pentecostalismo no território brasileiro. Os dois movimentos fundadores, embora aparentemente articulados, possuíam características específicas que marcaram sensivelmente suas formas de organização e consequentemente o tipo de organização que surgiu desses movimentos fundadores.
Distante dos grandes centros urbanos e do eixo político central, os dois movimentos pentecostais em dois extremos opostos do território brasileiro, um na região norte e o outro nas regiões sul e sudeste, fato que provavelmente deixou marcas em suas específicas constituições iniciais.
No norte do Brasil, mas precisamente na cidade paraense de Belém, surgiu a Assembléia de Deus, que a partir dessa região expandiu-se por todo o território brasileiro, embora apresentando um crescimento inferior ao crescimento da Congregação Cristã do Brasil. Apesar de sua primeira Igreja ter sido fundada na cidade de São Paulo, a Congregação cristã do Brasil iniciou seu movimento de expansão a partir do sul, principalmente a partir de[3] colônias italianas e empreendeu um vigoroso crescimento. Além das questões geográficas outros elementos se apresentam como elementos de diferenciação entre a os dois pioneiros movimentos pentecostais no Brasil.
A Assembleia de Deus se difere da congregação cristã do Brasil em alguns aspectos que se constituem em importantes marcas nas específicas configurações do domínio do sagrado vivenciados ao longo da história do segmento assembleiano.
O calvinismo arminiano exerceu forte influencia na teogonia do sagrado assembleiano que, no Brasil, nasce no seio de uma comunidade protestante tradicional: a Igreja Batista. Seus Fundadores, no Brasil, os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, eram oriundos da Igreja Batista em seu país de origem, diferindo da formação valdense[4] e presbiterianista de Luiz Grancescon, o fundador da Congregação Cristão do Brasil. Luiz de Castro Campos Jr., em se livro Pentecostalismo, discute de forma sintética as principais características dos valdense, fato que possibilita compreender-mos importância da influencia valdense na constituição de um pentecostalismo mais simples, sem a necessidade de uma construção teórica densa e complexa.

...O fundador da congregação Cristã do Brasil recebeu influencia dos valdenses e sobre esse aspecto tornam-se importantes alguns comentários. Os antigos valdenses tinham um conceito fundamental: a Bíblia, em especial o novo testamento, se constituía na única regra de fé e vida, e as interpretações eram realizadas de forma literal. Dentre os preceitos básicos estavam: o uso apenas da oração dominical, ações de graça antes das refeições, a prática de confissões e a de celebrar em conjunto a ceia do Senhor.[5]


O segmento assembléiano, com suas especificidades e realidades próprias, parece não ter conseguido desvencilhar-se totalmente de suas raízes históricas, pois o calvinismo arminiano deixou marcas que possibilitaram, através de um imenso gradiente de micro relações compor possibilidades próprias de sobrevivência. Quando insisto em destacar a importância desse elemento na construção histórica da Assembéia de Deus, isso se dá pela própria característica histórica do movimento arminiano, cujas origens diferem do movimento valdense e de tudo quanto ele representou.
O arminianismo teve suas origens no século XVI e seu nome refere-se ao pastor e professor holandês Jacob Armínio, um eminente calvinista , que passou boa parte de sua formação intelectual e Genebra. A influencia calvinista estava presente em toda holanda e Armínio estudou durante muito tempo sob a orientação do sucessor de Calvino em Genebra: Teodoro de Besa. Em Amsterdã, após ter assumido um importante igreja na cidade, Armínio ganhou projeção e passou a ser considerado um dos maiores estudiosos e especialista em Teologia. Nesse período um importante teólogo chamado Dirck Koornhet questionava algumas teses calvinistas gerando grande desconforto emtre os calvinistas holandeses., devido a fundamentação teórica apresentada por ele em sua argumentação. Armínio foi escolhido para derrubar a tese apresentada por Koornhet. Após aceitar a empreitada Armínio dedicou-s a uma análise dos escritos de Koornhet contrapondo-os com diversos teólogos protestantes. A conclusão de seus estudos só seria apresentada publicamente após tornar-se professor de Teologia na Universidade de Leyden. Armínio após longo período de estudos chegara a conclusão de que as críticas feitas por Koornhet, à algumas doutrinas calvinistas, eram legítimas e suas teses representavam um avanço no conhecimento teológico. A universidade de Leyden vivia agora um momento importante onde Armínio defendia a nova doutrina, que passou a ser conhecida como arminianismo, entretanto outro importante professor da Universidade, seguidor do calvinismo se apresentou como opositor as teorias arminianas.
Calorosos debates acadêmicos ocorreram entre Armínio e seu colega Francisco Gomaro e tais debates não se extinguiram, nem mesmo, após sua morte, em 1609, pois seu sucessor de cátedra deu continuidade aos debates com Gomaro.
Ao apresentar esse breve histórico da origem do arminianismo, não me preocupei em apresentar as questões teóricas de sua desavença com o calvinismo, que girava em torno da predestinação e suas bases, pois eram as bases e não a predestinação em si que gerava as discussões. Minha preocupação era demonstrar que a questão teórica era o elemento que legitimava a doutrina e sua construção se dava através das discussões no meio acadêmico. Quando digo meio acadêmico, estou me referindo aos centros de produção de conhecimento do século XVII. Após essa certificação fica evidente a diferença entre o arminianismo e os valdenses quanto ao elemento legitimador, onde a erudição dos arminianos se contrapõe a simplicidade dos valdenses. O calvinismo e o arminianismo se caracterizavam como doutrinas construídas teoricamente e suas características evocavam uma valorização do conhecimento formal representados concretamente na fundação de institutos e universidades[6]. Frederick Eby destaca a importância da academia criada por Calvino em 1559, como modelo para outras universidades entre as quais cita as de Leyden na Holanda, Edimburgo na Escócia, Emmanuel College da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que segundo Eby teria influenciado a fundação de Harvard, na América do Norte.
As experiências vivenciadas pelos missionários fundadores, bem como suas formações distintas, contribuiriam, não de forma absoluta ou puramente determinista, mas na soma com diversos outros elementos que marcariam os específicos domínios do sagrado enquanto ser atribuído a partir de percepções marcadamente distintas. As diferenças podem ser percebidas em vários aspectos como: a valorização da intelectualidade, na organização administrativa adotada pelas duas igrejas e no modelo evangelizador. Tais aspectos fizeram parte dos específicos processos de institucionalização vivenciados pela Assembleia de Deus e pela Congregação Cristã do Brasil. O modelo proselitista praticado pela Congregação Cristã do Brasil difere quanto as estratégias utilizadas em sua estratégia de evangelismo ao longo de sua história, não utilizando para isso recursos como jornais, rádio ou mais recentemente, como foi o caso da Assembléia de Deus, a televisão. Essa estratégia diferenciada, pode ser apontada como um dos elementos explicativo para o crescimento assembleiano ter alcançado, na segunda metade do século XX o título de maior igreja protestante do Brasil.[7]


* Graduado em Sociologia, Graduado em História, Pós-Graduado em História do Brasil e Mestre em História Social.

[1] Rolim, 1980
[2] GOUVÊA, 1990. p.33
[3] CAMPOS JR, 1992. p.29
[4] Considerados pré reformadores, os valdenses tiveram sua origem no século XII na região de Lyon na França
[5] CAMPOS JR. 1992. p.26
[6] MONROE, 1974, p 191.
[7] CAMPOS JR, 1992, pp. 28-29


Arão I. Alves de Araujo

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